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Diário de um médium

do livro Contos Desta e Doutra VidaChico Xavier / Irmão X

Quando, por solicitação de amigos, penetramos o quarto de Alfredo Lúcio, para acudi-lo no processo de desencarnação, o diário que o tempo amarelecera estava aberto e podíamos ler, em trechos curtos, a história de sua experiência.

22 de OutubroNesta noite inesquecível de 22 de Outubro de 1928, faço. minha profissão de fé. Acompanhei reunião íntima no “Centro Espírita Vicente de Paulo”, na rua Tavares Guerra, 74, aqui no Rio, e pude ouvir a palavra de minha mãe que eu supunha morta. Ela mesma. Falava-me pelo médium, como se estivéssemos em nossa casa do Méier. Chorei muito. Estou transformado. Sou agora espírita. Peço a Deus me abençoe os votos solenes de trabalhar pela grande causa.

23 de OutubroTentei a mediunidade escrevente e consegui. Maravilhoso! A idéia me escorria da cabeça com a mesma rapidez com que a frase escrita me saía da mão. Recebi confortadora mensagem assinada por D. Amélia Hartley Antunes Maciel, a Baronesa de Três Serros, que foi companheira de infância de minha mãe. Aconselhou-me a aperfeiçoar a mediunidade, a fim de cooperar na evangelização do povo. Sim, sim, obedecerei…

24 de OutubroProcurei o confrade Rr. Augusto Ramos, da Diretoria do “Vicente de Paulo”, na Ponta do Caju, e falei-lhe de meus planos. Encorajou-me. Foi para mim valioso entendimento espiritual. Quero servir, servir.

25 de OutubroCongreguei vários irmãos no “Centro”, em animada conversação sobre os desastres morais. A imprensa está repleta de casos tristes. Suicídios, homicídios. Comentamos o imperativo da mediunidade apostólica. É muito sofrimento nascido da ignorância! Deus de Bondade Infinita, darei minha vida pelo esclarecimento doa meus irmãos em Humanidade!…

26 de Outubro Avistei-me hoje com o Rr. Leopoldo, Cirne e sua estimada Esposa, na residência deles próprios. Foram amigos de D. Amélia. Oramos. A baronesa comunicou-se, exortando-me ao cumprimento do dever. Convidou-me a estudos sérios. O Sr. Cirze faloume, bondoso, quanto à necessidade do discernimento.

27 de OutubroContinuo a trabalhar ativamente na psicografia…

10 de NovembroO presidente de nossa casa espírita ponderou comigo que é importante não acelerar o desenvolvimento mediúnico. Entretanto, não concordei. A ignorância e a dor esperam por mensagens do Alto. Nas últimas seis noites, recebi páginas e páginas do Espírito que se deu a conhecer como sendo Filon, de Atenas, desencarnado na Grécia antiga. Disse-me que tenho grande missão a cumprir…

2 de DezembroÉ tanta gente a falar-me sobre estudo, que deixei de freqüentar o “Centro”… Preciso trabalhar, trabalhar. Filon está escrevendo quatro horas diàriamente, por meu intermédio. Está preparando dois livros, através de minhas faculdades. Sim, ele tem razão. O mundo espera, ansioso, a evidência do Plano Espiritual!

1 de JaneiroEntrei no Ano Novo psicografando...

29 de JaneiroApresentei ao Sr. Leopoldo Cirne os frutos de meu trabalho. Dois livros assinados pelo Espírito de Filon. Um romance e um manual de meditações evangélicas. O Sr. Cirne pediu-me procurá-lo na semana próxima.

5 de Fevereiro Grande decepção! O Sr. Leopoldo Cirne falou-me francamente. Admite que eu esteja ludibriado. Reconhece as minhas qualidades mediúnicas, mas pede que eu estude, afirmando que os livros de Filon são fracos. Acha que é cedo para eu pensar em publicação de livros, que devo amadurecer em conhecimento e experiência para colaborar seriamente com os bons Espíritos. Despedi-me, desapontado…

6 de FevereiroProcurei o Dr. Guillon Ribeiro, da Federação Espírita Brasileira, que me recebeu, cortês, em sua própria casa. Entreguei-lhe os meus originais mediúnicos, rogando opinião.

20 de FevereiroVoltei ao Dr. Guillon Ribeiro. Devolveu-me as mensagens, referindo-se, paternal, ao perigo das mistificações e à necessidade de critério, na apresentação de qualquer assunto espírita. Declarou que tenho promissora mediunidade, embora ainda muito verde, e asseverou que devo preparar-me à frente do futuro. Um rapaz, que se achava junto dele, falou em obsessão. Informou que um médium pode ser atacado, sem perceber, pela influência de Espíritos inferiores, assim como planta suscetível de ser assaltada por pragas silenciosas. Compreendi claramente que o moço me considerava obsidiado. Uma ofensa! Saí revoltado.

Começo a desiludir-me…

4 de Abril Estou desolado. Ouvi hoje o Dr. Ignácio Bittencourt, pela quarta vez numa semana. Já tenho quatro novos livros do Espírito de Filon, mas o Sr. Bittencourt, que os leu, está do “contra”. Recomendou-me estudo. Deu-me conselhos. Parece que o homenzinho quer entrar em minha vida. Falou-me em reforma íntima, como se eu fosse um criminoso em regeneração…

6 de AbrilConversei com D. Retília, médium experiente, em casa de D. Francisca de Souza, depois de reunião familiar. Parece que ela me viu na conta de uma pessoa irresponsável, pois ofereceu-me longa lista de instruções, explicando que preciso reajustarme. E falou também na necessidade do estudo…

8 de AbrilNão agüento. Qualquer espírita que me encontra, ao invés de ajudar-me, só me fala em estudo e discernimento, em discernimento e estudo… Serei alguma criança? Arre com tanta ponderação!… Se mediunidade é serviço em que devamos atender as exigências de todo mundo, não nasci para ser cachorro de ninguém! Todos os espíritas se julgam com direito de me advertir e reprovar!… Sou um homem sensível… Não posso mais!…

Via-se que o livro de notas fora abandonado por muitos anos. Entretanto, logo em seguida aos apontamentos mencionados, estava escrito em tinta fresca:

6 de Setembro de 1959Oh amado Jesus, quero abraçar agora a luz da mediunidade de que desertei, há mais de trinta anos! Quero cumprir a minha tarefa, Senhor! Perdoa-me o tempo perdido. Dá-me algum, tempo mais!… Preciso de mais tempo, Mestre! Socorre-me! Levantame as forças! Prometo servir à verdade durante o resto de minha vida!…

Mas o veiculo orgânico de Alfredo Lúcio não conseguira esperar pela concessão, pois finda a nossa rápida leitura, mal tivemos tempo para ajudá-lo a sair do corpo, cujos olhos congestos se fecharam pesadamente para o sono da morte.

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